José Jararaca

O Ernani foi um companheiro que quase não perdia final de semana para estar no rancho. Ele não gostava muito de pescar.  Enquanto o pessoal ia para beira do rio tentar fisgar uns peixes ele ficava cuidando do acampamento. Lavava as louças e panelas, varria o rancho, esquentava a água para o nosso banho de  chuveiro de  campanha no final da tarde, arrumava as camas, recolhia lenha e fazia de tudo para deixar o rancho em ordem. Não foi atoa que ele ganhou o apelido de diarista.  Sempre quando éramos visitados pelos moradores da região , na maioria das vezes era o Ernani que os recebiam.  Bem educado e prestativo o Ernani servia  petiscos e um trago de pinga  às visitas, que sempre falavam : isto que é  cachaça boa ; chega fazer rosário no  copo, não é que nem as “racha conga”  que a gente toma nas bodegas aqui no “canebreu”.
Certo dia  veio  nos visitar o José Jararaca. Este sujeito era introvertido de pouca prosa e quando estava nervoso ou  tomado uns goles a mais o pessoal  o chamavam  de JJ, evitando  o apelido de animal peçonhento porque temiam sua reação. Mas o  Ernani era muito curioso e resolveu perguntar ao José, porque ele ganhou este apelido. Tirando o chapéu, arredando o cabelo estilo Chanel, o José  mostrou as cicatrizes no local de suas orelhas.O Ernani ficou pasmo e lhe perguntou: O que aconteceu com  suas orelhas?
---- Foi o Brasil.
----Ah! Você brigou com o Brasil, e ele lhe arrancou as orelhas com os dentes.
----Não. Eu não briguei. Aqui no Canebreu, o Brasil é uma pessoa muito  respeitada, todos vão pedir opinião a ele quando precisam tomar alguma decisão. O Brasil é muito inteligente e quando serviu o Exército, em Curitiba, ficou mais dois anos por lá , trabalhou em diversos lugares e aprendeu muita coisa. Ele até trabalhou em uma transportadora e foi fazer entrega em Porto Stroessner  no Paraguai. Pois é o único morador aqui da região, que já foi para o estrangeiro.
----Então o que ele tem haver com suas orelhas?

---- Um dia eu estava voltando da roça e o meu cachorro, achou um tatu entocado. Fui até a bodega atrás de mais companheiros para ajudarem a cavocar  e  tirar o tatu do buraco. Chegando  lá  convidei o pessoal  para pegarem cortadeiras e picaretas para cavocar a terra e pegar o tatu. O Brasil ouviu a conversa e disse: hoje em dia não mais se cavoca para caçar tatu. Quando trabalhei em oficina mecânica, conheci uma pedra  chamada carbureto, que molhada com água ela solta um gás muito fedido. É  só colocar algumas pedras dentro do buraco, jogar água em cima que não há tatu
que resista ao cheiro.
----- E vocês tinham carbureto?
----- Pois não há de ver que o Brasil tinha uns dois quilos dentro de uma lata bem fechada. E lá fomos nós tirar o tatu da toca de uma maneira bem fácil.
----- E dai?
------Chegando lá, colocamos as pedras no buraco e jogamos dois baldes de água em cima. O Brasil deu uma olhada e disse: vai precisar mais dois baldes e  me ordenou que ficasse bem atento com o movimento do tatu dentro do buraco. Enquanto foram buscar mais água eu fiz um cigarro de palha, acendi e dei umas tragadas. Dai baixei minha cabeça rente ao chão na direção do buraco para ouvir o movimento do tatu. O Brasil tinha me dito que o gás era fedido, mas não me avisou que era explosivo.
                                       -----E dai?
-----Daí que dei mais uma tragada, aumentou a brasa na ponta do cigarro e provocou a explosão. Como o gás estava concentrado dentro do buraco, a coisa funcionou como se fosse um canhão. Com a força do estouro perdi a orelha direita e fui arremessado contra  um pé de “Mamica de Porca” (como é conhecida a árvore do juveve, com espinhos que lembram mamilos) onde ficou a esquerda. Meu cachorro e o tatu devem estar correndo até hoje. E devido cobra não ter orelhas, me apelidaram de jararaca.



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