Zeimowit Sureck Sekula, o caçador de codorna |
No início do ano de 1939 meu pai deu
a baixa da Força Aérea Brasileira (FAB) onde prestou o serviço militar
obrigatório. Algum tempo depois ele resolveu visitar seu padrinho Miguel Sekula
que residia em Guarapuava e era casado com Helena Sureck uma das irmãs de minha
avó Paulina. Miguel Sekula era imigrante polonês, professor de língua polonesa
e escritor, tinha muitos filhos, alguns morando em Irati e Ponta Grossa, mas a
maioria residia em Guarapuava, entre eles tinha o Zeimowit (tio Jimovikz, como
eu o chamava) que era um exímio caçador de codornas. Com este primo meu pai
aprendeu caçar codornas e perdiz, pois naquela época eles caçavam em torno da
cidade que era rodeada de campos e era abundante as codornizes. O período de
caça era do mês de maio até julho. Quando eles saiam para caçar e abatiam
bastante peças, então faziam conserva tipo escabeche, assim tinham carne de
caça até chegar a outra temporada. Quando meu pai estava para retornar da
visita, Zeimowit o convidou para ficar trabalhando em sua marcenaria, pois
estava aparecendo muitos serviços e ele iria precisar de mão de obra. Era
setembro de 1939, tinha acabado de eclodir a Segunda Guerra Mundial, então meu
pai aceitou o convite, ficou trabalhando e aguardando uma possível convocação
para ir à guerra, mas por excesso de contingente isso não veio acontecer e
assim ele ficou em Guarapuava por um bom tempo, e foi referente a esse período
que contava sua história sobre muitos acontecimentos que também me despertou a
vontade de ser caçador. Dizia meu pai, que Zeimowit construía muitas igrejas e
capelas pelo interior de Guarapuava que naquela época, antes de sofrer vários
desmembramentos era um dos maiores municípios do Paraná. Dependendo do lugar onde seria a construção
as vezes gastavam dois dias de viagem, pois o meio de transporte usados eram
carroças e carroções com dois ou quatro cavalos conforme a quantidade de
víveres, material e o número de carpinteiros a ser levados. Quando uma
empreitada destas coincidia ser no período de caça, as carroças iam se deslocando
por estradas tortuosas na imensa campanha nativa que era típica da região, meu
pai e seu primo Zeimowit, com espingardas e cachorros perdigueiros aproveitavam
para caçar, cortando os campos por caminhos mais retos até chegarem nos lugares
combinados, normalmente em um capão de mato a beira de um riacho para fazerem
uma parada, descansar os animais ou acampar para pouso, então ali eram
depenadas, limpadas, temperadas e preparadas as codornas e perdizes caçadas
durante o dia, sempre acompanhadas de uma polenta cozida em panela de ferro em
cima de uma trempe. Quando esta empreitada não coincidia com a época de caça
eles usavam o escabeche que tinham guardado. Estas construções, feitas de
madeira, normalmente levavam de dez a quinze dias para ficarem prontas, quando
isso acontecia a comissão da igreja oferecia um churrasco para os construtores
que ficavam muito felizes por terem a oportunidade de não comerem codorna
naquele dia. Passado um tempo, devido muitos problemas causados pela guerra os
serviços começaram a escassear e a parte financeira foi se complicando. Nesta
época apareceu na marcenaria do Zeimowit um vendedor de calendários, e enquanto
ele expunha as amostras de suas folhinhas, um dos marceneiros teve uma ideia:
que tal comprar só as fotos com imagem de santo, o molde do quadro de madeira
nós mesmo fazemos, colocamos vidro e vendemos o quadro pronto. Por unanimidade
todos acharam que a ideia era boa e podia aumentar o faturamento da marcenaria.
Então encomendaram dois milheiros de fotos de diversos santos, vidros já
cortados na medida certa e começaram a confeccionar os quadros. Pronto os
quadros, então chegou a hora de sair e vender, pois em plena crise muitos
poderiam comprar a imagem do santo de sua devoção para rogar ajuda, este era o
pensamento dos marceneiros. Dos seis marceneiros que compunham a equipe três ficariam
para vender os quadros na praça de Guarapuava. Meu pai, Zeimowit e mais outro
pegariam uma carroça com toldo e sairiam para vender quadro de santo pelo
interior. Além dos quadros carregaram apetrechos e mantimentos para ficarem
mais de trinta dias em viagem, também levaram espingardas e o cachorro
perdigueiro para com o que caçassem completar as refeições. Visitando fazenda
por fazenda eles conseguiam vender um ou mais quadro, pois em algumas famílias
vários santos eram devotados. Quando chegava o final do dia, ao último
fazendeiro a ser visitado eles pediam permissão para acamparem por ali, mas
normalmente eles eram convidados a fazerem refeição e dormirem dentro da casa,
pois estes fazendeiros gostavam de prosear e saber de notícias principalmente
sobre a guerra. As codornas caçadas durante o dia eles davam de presente aos
fazendeiros e ganhavam em troca galinha, carne de porco já frita e conservada
na banha e algumas frutas da época, laranjas, mimosas e caquis. Depois de três
semanas viajando, restando poucos quadros a serem vendidos, estavam chegando em
Covó, um vilarejo que na época pertencia ao município de Clevelândia no Paraná.
Em direção a eles vieram seis cavaleiros armados com revolveres e um deles com
uma espingarda, fizeram sinal para que parassem a carroça e a cercaram. O
cavaleiro que parecia ser o mais velho, com alguns destes de ouro,
identificou-se sendo o inspetor de quarteirão da vila de Covó, e estava ali
para manter a ordem no local, e queria saber o que estava sendo transportado na
carroça. Quando um dos carroceiros se virou para apanhar uma amostra de que
estavam levando, os seis sacaram e apontaram suas armas fazendo menção que iam
atirar. Calma, calma nós só vamos mostrar o que estamos transportando, falou
Zeimowit mostrando um quadro de santo. O inspetor fixou seu olhar no quadro com
a imagem de São Benedito, tirou o chapéu da cabeça em sinal de respeito ao
santo de sua devoção, exigiu que seus companheiros fizessem o mesmo gesto e
pediu aos carroceiros que fossem até a sua casa, porque ele iria comprar o
quadro de São Benedito e talvez mais alguns. Depois que venderam os últimos
quadros na vila de Covó começaram a retornar para Guarapuava. Como estava
chegando ao final da temporada de caça, aproveitaram estes dias de retorno
cassando o suficiente para fazerem alguns vidros de escabeche. Alguns meses
mais tarde meu pai foi trabalhar na Cooperativa Agrícola de Cotia na cidade de
São Paulo, mas sempre retornava à Guarapuava para caçar com seu primo. No
início da década de 1970 eu tive oportunidade de acompanhar meu pai nas caçadas
em Guarapuava. A última caçada que fizemos foi na localidade de Palmeirinha em
uma fazenda que as poucas codornas que tínhamos encontrado estavam mortas pela
ação de um veneno usado na pulverização do trigo. Diante desta situação o tio
Zeimowit decidiu ir até uma fazenda que não existia lavoura, somente pasto
nativo onde deveria ter muita caça. Chegando lá, deixamos o carro na porteira e
seguimos a pé em direção à casa do proprietário pedir licença para caçar.
Cumprimentamos o proprietário que nos atendeu no portão de um grande pátio,
conversamos um pouco, então Zeimowit perguntou se havia codorna em suas terras
e se ele permitia que caçássemos. Pois, codorna até que tem, mas eu não deixo
ninguém caçar porque eu também gosto, e daí falta para mim. Com esta negativa,
Zeimowit, pediu que ele nos deixasse juntar alguns pinhões que estavam forrando
o chão de baixo dos pinheiros ali ao lado. Esses pinhões são para a porcada que
vive solta, respondeu o fazendeiro. Ao lado da casa havia cinco pés de laranja
bem carregado e maduras. Então nos venda uma dúzia de laranja para matarmos a
sede, insistiu Zeimowit. Ah! Isso é com a piazada, mas eles não estão em casa
hoje, foi a resposta. Dizem que existe um dia da caça e outro do caçador, com certeza este dia foi da caça, da porcada solta e das laranjas. Bons tempos.
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