Em 1985, em
um dia do mês de junho, quando terminei de visitar meu último cliente na praça
de Guarapuava, já eram quase 17 horas, passei no hotel, paguei a conta, peguei
minha bagagem e me dirigi para cidade do Pinhão onde eu tinha apenas um cliente
para trabalhar. Cheguei em Pinhão quase as 18 horas, meu cliente estava
ausente, tinha ido até sua fazenda, mas retornaria ainda neste dia. Fiquei
esperando por ele, pois tinha uma duplicata para receber e este cliente sempre
fazia bons pedidos de mercadorias das firmas que eu representava. Perto das 20
horas chegou o Cezar que era proprietário do supermercado, terminou de me
atender quase as 21horas. Pensei em pernoitar, mas como eu tinha um compromisso
as 8 horas do dia seguinte em União da Vitoria a 160 quilômetros de distância,
resolvi seguir viagem à noite mesmo. Ao passar por um posto de gasolina para
abastecer o carro fui informado que a ponte sobre o Rio Jacutinga, próximo a
cidade de Bituruna estava interditada. Antes de chegar na ponte tinha que pegar
um desvio por uma estrada secundaria e fazer a travessia pelo leito do rio.
Havia chovido um pouco durante o dia e este desvio estava lamacento, segui por
ele percebendo que a pouco tempo tinha passado por ali um outro veículo
deixando seu rastro bem visível no chão de barro. Quando chegue no rio percebi
suas aguas límpidas e baixas correndo sobre pedras, pois a chuva que ocorreu
foi pequena e não aumentou o volume de agua mesmo que esse rio nasce e corre
entre morros da região. Parei bem na beira do rio, desliguei o motor e desci do
carro para observar e tomar uma decisão como fazer a travessia. A noite de lua
minguante estava muito fria e escura, dava para sentir um cheiro muito forte da
fumaça que saia dos fornos de carvão queimando naquela região, o barulho das
aguas que corriam entre as pedras só foi quebrado pelo chirriar de uma coruja.
Entrei novamente no carro, dei a partida e resolvi seguir o rastro daquele
carro que havia passado por ali. O declive para chegar na agua era grande,
mesmo assim fui em frente, quando o carro imbicou no rio, é que notei, era mais
fundo que parecia, pois a agua cristalina não me deu noção da exata
profundidade. O carro ficou com a dianteira dentro do rio, a agua entrou até os
pedais de freio e embreagem, então senti a conjuntura em que eu estava metido.
Desci novamente do carro, agora desligado, com as luzes apagadas, pois os
faróis estavam dentro da agua. Já passava das 22horas, fiquei imaginando o que
fazer? Daquela hora em diante seria difícil passar um outro carro por ali para
me ajudar, então o jeito era passar a noite em pé ao lado do automóvel, pois
ele estava inclinado e não dava para ficar dentro sentado no banco. Quando eu
parei o carro pela primeira vez, notei que do outro lado do rio, que tinha uns
15 metros de largura, havia um aclive e também passava uma estrada margeando
este rio. Passado algum tempo, no meio daquele silêncio e escuridão, ouvi um
barulho de alguém pedalando uma bicicleta, era mesmo um ciclista que vinha pela
estrada na outra margem, ele tinha um farol que acendia através de um dínamo quando
a bicicleta estava em movimento, as vezes eu via a réstia desta luz entre as
arvores quando ele estava se aproximando. Quando percebi que o ciclista estava
bem perto eu gritei, em seguida ouvi o barulho da freada, a luz apagou, e o
homem respondeu ao meu chamado. Começamos a conversar sem nos ver, nem mesmo o
vulto, pois a noite era um breu, e ele estava na outra margem, contei para ele
a minha situação, ele disse que meu erro foi ter seguido o rastro do carro que
passou na minha frente, pois tratava-se de uma Toyota que é um carro bem mais
alto que o meu, e especial para este tipo de estrada. Já fazia um bom tempo que
estávamos conversando quando ele me disse: estou ouvindo o ronco de um caminhão
que puxa tora de madeira, e ele vai passar por aqui, vamos aguardar, pode ser
que eles tirem você desta situação, pois normalmente eles carregam cordas e
cabo de aço. Logo que o caminhão chegou, atendendo ao apelo do ciclista parou a
uns 20 metros adiante do aclive que encontrava a estrada. As três pessoas que
estavam no caminhão mais o ciclista pararam na outra margem e começamos a
conversar, até que um deles resolveu atravessar rio para ver o que poderia ser
feito para me tirar dali. Com a ajuda de um isqueiro a gás ele veio andado por
dentro da agua, que pegava um pouco acima da sua canela até chegar onde eu
estava. Disse que eu deveria ter dirigido o carro um pouco mais à esquerda por
onde ele passou, pois apesar das pedras ali era bem baixo o que permitiria que
eu chegasse na outra margem. Após mais algumas clareadas com o isqueiro ele viu
a situação, gritou para os outros três cruzarem o rio, porque não havia
necessidade de usar a força do caminhão com o cabo de aço, e que eles mesmo
conseguiriam tirar o carro dali. Empurraram o automóvel para traz, afastando
uns dois metros do rio, pediram para mim dar partida, o motor funcionou falhando
muito, agora empurrando para frente pela parte mais rasa, atravessamos o rio,
subimos o aclive e atingimos a estrada, o carro continuava funcionando, mas
falhando muito. Um deles me disse para eu seguir em frente que eles estariam
logo atrás e caso fosse preciso me ajudariam novamente. Andei uns dois
quilômetros por esta estrada vicinal até sair na rodovia asfaltada que cruza a
ponte interditada. Quando cheguei na rodovia principal apagou o motor do carro,
mas dali até chegar em Bituruna são três quilometro de um forte declive, então
aproveitei e dirigi em ponto morto até chegar em um posto de gasolina bem na
entrada da cidade. O posto estava fechado, ao lado tinha uma banquinha que
vendia lanches e bebidas que também estava encerrando as atividades, pois já
era bem tarde da noite, e ali estava um caminhoneiro que pretendia ir para
Guarapuava, mas desistiu da ideia depois que contei o que tinha acontecido
comigo. Meu carro era um Gol 1983 a álcool, e eu precisava de gasolina para
lavar o distribuidor e tentar funcionar para seguir viagem mais 80 quilômetros
até União da Vitória, foi aí que o motorista do caminhão me lembrou; seu carro
é a álcool, mas você deve ter gasolina no reservatório do “xixi” da partida. -
Bem lembrado falei para ele que me ajudou a lavar o distribuidor e fazer o
carro funcionar. Segui viagem, cheguei em União da Vitoria já de madrugada. Na
manhã seguinte o carro não pegou, o dono do hotel rebocou meu VW até uma
oficina onde foi trocada toda instalação elétrica e motor de arranque. O que me
ficou marcado nessa viagem foi não ter visto a fisionomia das quatro pessoas
que me ajudaram sair daquela situação difícil que eu me encontrava dentro do
rio jacutinga, pois era uma noite muito escura, e quando eu cheguei no posto de
gasolina em Bituruna, onde eu ia aguarda-los para agradecer pelo que fizeram
fui informado pela dona da banquinha que aquele pessoal morava antes de chegar
na cidade, e, portanto, não viriam até o posto, mas eu sempre recomendo eles
nas minhas orações pelo bem que me fizeram
Fotos do Rio Jacutinga em Bituruna, Paraná, Brasil.
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